Crescendo entre os escombros do pós-II Grande Guerra e tendo prosperado social e economicamente, a Europa tornou-se velha e moralmente complexa. Ainda se autoproclama autoridade dos direitos humanos e defensora do regime democrático, mas, diante dos perigos fascistas que agora emanam das terras do Tio Sam, da guerra instalada nas suas fronteiras e da crescente influência do poderio comunista chinês, os desafios à sua sobrevivência são enormes! A Velha Europa atravessa uma crise existencial! Este pequeno ensaio recria a ida da Velha Europa a uma consulta de psicoterapia existencial.T: Conte-me sobre o que a traz por aqui.
VE: Sabe, as coisas não estão correndo bem. Sinto-me ameaçada por todos os lados. Bem ou mal, sempre aguentei… Agora estou envolvida numa guerra contra um louco imperialista que ameaça a minha existência. E a culpa é daquele “idiota laranja” que assumiu o controle da América e virou tudo de pernas para o ar. Já não tenho energia nem meios para lutar. Para piorar, mal consigo lidar com os problemas que existem dentro de mim… Cá dentro, é tudo uma grande confusão! Ninguém se entende e fico agoniada com tanta desinformação, sem saber o que fazer.
T: Então, sente-se desorientada. Não basta os problemas internos que tem para resolver e ainda precisa lidar com dois líderes com poder suficiente para acabar consigo… Imagino que tudo isto deva ser muito difícil para si, já que se sente sem forças para reagir.
VE: Não está fácil, mas estou a tentar não dar parte fraca… Confesso que nunca quis acreditar que isso pudesse me acontecer.
T: Hum… Não quer dar parte fraca… E o que isso significa para si?
VE: Significa que… que não quero mostrar que estou nesta situação…
T: Nesta situação de vulnerabilidade?
VE: Sim, exatamente!
T: E como é que é para si sentir-se vulnerável nesse xadrez geopolítico?
VE: É mau, claro! É difícil de aceitar… Sinto uma angústia e um medo de perder o controlo sobre o meu destino.
(A Velha Europa recosta-se na cadeira e larga um longo suspiro. Conecta-se à angústia que lhe vem do peito, permitindo-se senti-la.)
T: Parece que há aí uma parte de si que está a emergir…
VE: Sim, confesso que sinto uma certa tristeza…
T: Uma tristeza que se revela aí dentro…
VE: Sim, uma tristeza… (o seu rosto emociona-se e os olhos ficam húmidos, mas recupera a postura e endireita-se rapidamente.) Mas fiz o que pude. Não é fácil lidar com tanto imperialista louco; não tenho culpa de quererem destruir os princípios de liberdade, equidade e justiça!
T: Hum… Não sente responsabilidade pelo que está acontecendo… A culpa é dos outros…
VE: Em parte, sim… (Faz uma pausa e parece voltar o olhar para si mesma.) Quer dizer, alguma responsabilidade tenho, certamente.
T: Então, de que modo contribuiu para esta situação?
(A Velha Europa olha para o terapeuta com um ar sério, mas logo solta um suspiro e engole em seco.)
VE: Não imagina o quanto tem sido difícil gerir os interesses americanos, chineses e russos… Sempre mantive uma postura diplomática, procurando sentar toda a gente à mesa, evitando conflitos e estabelecendo pontes.
T: Entendo… Evitar estar envolvida em conflitos é o seu objetivo.
VE: Exato. Cresci entre conflitos, muitas guerras, muito sangue derramado… Passei por muito para alcançar consensos.
(Um olhar distante, duro e entristecido emerge.)
T: E, no entanto, apesar dos seus esforços, vê-se envolvida num conflito… (A Velha Europa fica tensa, mas logo desiste de lutar contra o próprio corpo, soltando um profundo suspiro.) – Notei que você aceitou dentro de si algo que vinha evitando… (O terapeuta suspende o momento e a Velha Europa parece refletir sobre o que está sentindo.) — Também percebi que evitou a minha pergunta: de que maneira contribuiu para estar agora nesta situação?
VE: Sinto que fui fechando os olhos para certas situações… Por exemplo, sempre vi a América como um filho meu, capaz de continuar lutando contra os perigos dos regimes totalitários. Penso que acabei por demitir-me da responsabilidade de me proteger e fui perdendo poder.
T: E agora parece que esse “filho” a deixou numa situação difícil…
VE: Sim, sinto uma tremenda revolta e injustiça… Sinto-me traída. E é exatamente isso que sinto.
T: Traída pelo seu próprio filho…?
VE: Sim, por me ter deixado sozinha para lutar contra o Putin, que não olha a meios para atingir os seus objetivos.
T: …porque, se o Putin atingir seus objetivos…
VE: Ah, serei envergonhada, humilhada. Perderei influência e deixarei de ser sinônimo de prosperidade social, de liberdade de expressão e de direitos humanos.
T: Imagino que, pela sua história de vida, você saiba bem o que isso significa…
VE: Significa que o projeto europeu chega ao fim. Foi criado para evitar que voltássemos à idade das trevas.
T: E o que pode fazer agora? O que faz sentido para você?
VE: Tenho que continuar a luta, pois, claro! Não posso desistir.
T: No entanto, você me disse que está sem forças para isso.
T: Estou velha, e a democracia possui suas vulnerabilidades, que estão sendo exploradas por aqueles que me querem destruir…
T: Reconhece, então, que precisa estar mais atenta às suas vulnerabilidades? Que, se não se cuidar, estará a perpetuar essa sensação de vulnerabilidade que me contou que sentia.
VE: Exatamente. Percebi agora que preciso de uma atenção imediata a esses pontos e não posso mais adiar esse autocuidado.
T- Muito bem! Penso que hoje fizemos um boa exploração sobre os significados das vivências difíceis que a trouxeram aqui. E que, de alguma forma, há um sentido em todo o seu sentimento. Também foi importante, creio, perceber de que modo pode escolher-se face às circunstâncias actuais. Podemos continuar na próxima semana?
VE- sim, claro!