As Mudanças: viver, aceitar e transformar


O que muda em nós

Mudei. Fui mudando ao longo dos anos — como todos nós. Há quem acompanhe a própria evolução e há quem mude sem, no fundo, evoluir: mantém-se preso ao passado, cristalizado numa imagem nostálgica de quem já foi e gostaria de voltar a ser. Outros preferem fingir que nada à sua volta se altera. Olham por cima dos problemas, mesmo sabendo que deveriam encará-los, e ignoram que aqueles que os rodeiam também têm desejos, planos e ideias sobre o que é melhor para si e para os outros. Enquanto tentam, com fios de ilusão, segurar uma realidade que escolheram para si, esta desmancha-se como um castelo de areia. O mundo segue em frente, mas o tempo deles fica suspenso num “ainda não percebi o que se passou”. É a consequência de não se habitar o presente, vivendo-se entre um passado idealizado e a projeção desse mesmo passado num futuro próximo. No fundo, resume-se muitas vezes a um “se me tivessem ouvido, talvez tivesse sido feliz”, como se a responsabilidade da mudança devesse sempre pertencer aos outros.

Hoje, olho para trás e reconheço apenas uma constante: a vontade de, no futuro, estar noutro lugar que não aquele onde estava. E, de facto, aqui estou — com outra mentalidade, outros hábitos, outra forma de viver. Mas continuo a caminhar para um amanhã que não é este de hoje. A jornada tem sido longa, mas não pesada. É trabalhosa, sim, e o cansaço surge de vez em quando, mas não me preocupa: é apenas sinal de que o plano está em andamento. Talvez por isso nem sempre tenha tempo para refletir profundamente sobre as consequências das transformações que tenho vindo a operar em mim.

O meu caminho

Investi muito — mesmo muito — em mim. Estudei gestão, filosofia, modelos psicoterapêuticos. Explorei atividades como teatro e escrita, trabalhei relações com os outros e procurei melhorar as familiares. Tudo isto enquanto mantinha o negócio que sustenta a minha vida e a da minha família. Sempre movido por uma necessidade profunda de dar sentido à minha existência. E, nesse percurso, falhei bastante — sobretudo na primeira fase da vida adulta. Falhei ao tentar conciliar a procura de um sentido maior que a própria vida com a urgência de viver intensamente todos os momentos. Falhei muitas vezes. Conheci a solidão de ser responsável pelas minhas escolhas e de perceber que elas me afastavam de onde estava, mesmo sem saber exatamente para onde me levavam.

No fundo, vivia entre um passado onde tudo faltava e um futuro onde tudo haveria. No presente, sentia-me como quem caminha nu numa procissão. Ainda assim, a bússola da alma insistia em apontar um caminho — um que eu próprio ainda construía. E arrisquei. Arrisquei crenças, certezas e máximas que me tinham ajudado a sobreviver, mas que já não serviam.

Hoje, estou mais habituado a deixar cair “verdades” forjadas no passado e mais disponível para aceitar mudanças. Eu, que sempre me predispus a mudar, mas resistia a ser diferente. Talvez o maior medo seja precisamente esse: tornarmo-nos alguém distante do que fomos, como se isso implicasse perder o contacto com a nossa história ou apagar a memória do caminho percorrido. Como se mudar fosse cortar o cordão umbilical que nos liga a nós próprios e nos deixasse estrangeiros dentro da nossa cabeça.

O que fazer com o que já não serve

Mudar é, inevitavelmente, deixar cair partes de nós que já não têm utilidade. Mas o que fazer com elas? Deitar fora? Guardar? Rejeitar? Esses fragmentos, mesmo inúteis, às vezes insistem em permanecer, atualizando um tempo antigo que já não existe, mas que continua vivo porque o defendemos como o “velho do Restelo” que ainda alimentamos.

Ainda hoje me debato com o destino das memórias que fundaram as minhas inseguranças e crenças sobre mim. Tento ouvir a parte de mim que vive para lá do mundo impessoal. Tento aceitar que não faz sentido ser o que já fui, mas sim abrir espaço para o que ainda posso vir a ser — no território de possibilidades que me permito explorar.

Vivo, portanto, num eterno desassossego: alguém que nunca será inteiro ou completo, mas que todos os dias aceita deixar de se reconhecer ao espelho, encontrando na incerteza um chão seguro onde assentar os pés.

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