Logoterapia e o Sentido que deu à minha Vida
Fazer projetos de vida é algo que nos é inato. Faz parte do ser humano criar planos que, de alguma forma, deem significado à vida. Pois, sem significado, a vida parece escapar-nos, deixando-nos náufragos num mar sem fim, órfãos num mundo que não espera.
A filosofia nasce com esse propósito: a busca pelo sentido da vida deriva do profundo desejo que cada um de nós alimenta de estar conectado com o mundo. O sentido que cada um dá à sua vida é, então, como um diapasão que nos indica se estamos em sintonia com o mundo, com os outros e connosco próprios.
E não será essa sensação de estarmos em sintonia com o mundo, com os outros e connosco próprios o que melhor define o conceito de estarmos em paz com a pessoa que somos?
O Sentido da Vida na Filosofia
A questão é antiga. Sócrates procurava ensinar que o sentido da vida estava na busca da verdade, da virtude e do autoconhecimento: “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”, afirmou. Para Platão, o sentido da vida estava na contemplação do Bem e das Ideias Eternas. O seu discípulo Aristóteles evoluiu o conceito para a realização plena das potencialidades humanas através da razão e da virtude – eudaimonia.
Epicuro defendia que o sentido da vida residia na busca de um prazer sereno (ataraxia) e na amizade, enquanto a geração estóica (Zenão, Séneca, Marco Aurélio, entre outros) preconizava a harmonia entre natureza e razão, a aceitação do destino e o cultivo da virtude.
Na Idade Média, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino apontavam Deus como a razão de todo o sentido da vida.
A partir do Iluminismo, a busca do sentido passou a ser feita na intimidade do ser: Pascal falava do coração e da fé como fonte de significado, e Kant apontava para o agir moral, guiado pelo dever e pela dignidade racional do ser humano.
Schopenhauer radicalizou a reflexão ao introduzir o sofrimento humano na equação. Segundo o pensador alemão, é a necessidade de dar sentido à vida que provoca sofrimento, pois a vontade de obter respostas afasta o homem de se realizar na arte e na compaixão.
O Existencialismo e a Viragem do Sentido
Kierkegaard resgata a relação do homem com Deus como fonte de sentido. Nietzsche, por sua vez, destrói essa base e propõe um novo paradigma: cabe a cada um de nós procurar o seu próprio sentido de vida – amor fati, dirá. E Sartre, discípulo do pensamento nietzschiano, afirma que o homem está condenado a fazer escolhas e que é nessas escolhas que o sentido da vida se constrói. Já o seu conterrâneo Camus aponta para o absurdo da existência como a própria razão do sentido, o que não deixa de ser paradoxal.
Antes deles, Heidegger, Karl Jaspers, e mais tarde Rollo May e Irvin Yalom, exploraram o sentido da vida em termos de liberdade, autenticidade, morte, culpa, temporalidade e espacialidade.
Viktor Frankl e o Vazio Existencial
Surge então Viktor Frankl, que nos confronta com um poderoso conceito: o vazio existencial. Segundo o médico austríaco, é desse vazio que nascem muitas neuroses. A única forma de o evitar é através da busca de sentido, do sentido da vida de cada um de nós.
Mas como encontrar sentido mesmo quando tudo parece perdido?
Frankl cria a Logoterapia, a terceira escola vienense de psicoterapia (depois de Freud, pai da psicanálise, e Adler, precursor da psicologia individual) para responder a essa “doença” da era moderna. “Logos” é a palavra grega que significa “sentido”, “significado” ou “razão”. A Logoterapia é, então, a terapia baseada na vontade de sentido.
Os seus princípios assentam na ideia de que o sentido é individual e único em cada pessoa, e pode ser encontrado em qualquer circunstância, mesmo nas mais dolorosas. “A vida nunca deixa de ter sentido; até o sofrimento tem sentido”, afirma Frankl. Isso significa que o sentido deve ser encontrado dentro de nós, no seio da nossa própria liberdade e responsabilidade, porque somos seres livres e responsáveis pelas nossas escolhas.
O Vazio Existencial na Sociedade Moderna
Como surge, então, o vazio existencial?
Surge a partir da perda dos valores e tradições que outrora davam estrutura à vida comunitária. Da falência da espiritualidade, que afastou o homem de um pensamento mais profundo e reflexivo sobre si e sobre os outros. E da confusão entre sentido e prazer, fomentada por uma sociedade que incentiva o consumo rápido e descartável.
“Mais do que prazer, o homem procura um sentido para a sua existência”, lembra Frankl.
Como Encontrar o Sentido da Vida
Como sabemos que o sentido que damos à nossa vida é o nosso sentido?
Sabemos porque dentro de nós nasce uma paz inegável. Um impulso para agir em conformidade com esse sentir. É assim que encontramos a saída do vazio, a libertação da sensação de aperto, aflição ou apatia. Encontrar essa paz interior pode não ser imediato, mas requer uma constante atualização e autoconhecimento.
O sentido que damos à nossa vida vai tornando-se cada vez mais claro ao longo do tempo, através das escolhas que respeitam a nossa vontade, as nossas limitações e as nossas capacidades. É definido pela sensação íntima de que “isto tem sentido para mim”, mesmo que o mundo e os outros nos tentem demover. Assumir a busca pelo sentido da nossa vida é um ato profundamente pessoal. Ninguém o pode fazer por nós.
O Meu Encontro com a Logoterapia
Num plano mais pessoal, foi a leitura de “Um Homem à Procura de Sentido” que me levou a mudar radicalmente de vida. Sou um exemplo de como teimar em seguir os nossos instintos mais autênticos e ser honesto connosco pode transformar uma vida. Durante anos, tentei ser o que a sociedade esperava de mim. Criei falsas expectativas sobre mim próprio e segui um caminho que não era o meu, embora o mundo lá fora dissesse o contrário.
Dentro de mim, persistia a sensação de que faltava algo. E sabia o que era, mas temia assumi-lo. Porque assumir o que me fazia sentido implicava desafiar os outros, confrontar a estabilidade, lidar com o medo, a vergonha e a culpa. Mas chegou o momento em que percebi que a paz interior exigia que me escolhesse. Fiz escolhas, lidei com as consequências, e foi isso que fez toda a diferença.
A Logoterapia veio para ficar. Faço uso dos seus princípios e conceitos na minha prática clínica, pois incentiva as pessoas a confiarem nos seus instintos e a respeitarem a sua mundivisão. Na minha opinião, só por si a Logoterapia pode não ser suficiente para promover mudanças profundas, mas qualquer teoria sólida de mudança interna deve integrar os conceitos desenvolvidos por Frankl.
A Logoterapia no Mundo e em Portugal
Hoje, a Logoterapia está disseminada por todo o mundo. É o segundo modelo de psicoterapia existencial mais praticado, com maior incidência na Europa Central, representando quase um terço dos terapeutas existenciais identificados no estudo de Edgar Correia, Mick Cooper e Lucia Berdondini (2014): “The World Distribution and Characteristics of Existential Counsellors and Psychotherapists”.
Em Portugal, a Logoterapia é representada pela Associação Portuguesa de Logoterapia, onde fiz a minha formação, e que promove também consultas clínicas. Ainda não é um modelo terapêutico que esteja no radar dos portugueses, mas a seu tempo conquistará o seu lugar.

