Como lidar com o vazio existencial em tempos de redes sociais?


“Vazio existencial” e “redes sociais” são conceitos bastante atuais e já fazem parte do nosso quotidiano.

Mas o que é, afinal, o vazio existencial?

O vazio existencial designa sentimentos de falta de sentido, solidão profunda, isolamento e crise de identidade. É vivido como se algo essencial faltasse; uma ausência de propósito que corrói silenciosamente a experiência de estar vivo.

As redes sociais e o novo paradigma das relações.

As redes sociais reescreveram a história das relações humanas. Há um novo paradigma na forma como os vínculos são vividos: estamos mais conectados, mas também mais sós.

O filósofo Gilles Lipovetsky, em A Era do Vazio, observa que as gerações nascidas antes da revolução tecnológica sofrem mais intensamente o impacto dessa mudança.

E é fácil perceber porquê. As gerações até à década de 1990 cresceram em sociedades organizadas em torno do bem comum e da vida comunitária. Os ideais eram partilhados, lutava-se por causas coletivas, e a religião funcionava como um ímã moral, unindo as pessoas num mesmo propósito. Por outro lado, a comunidade oferecia direção e sentido, moldando a identidade individual.

Mas a revolução tecnológica mudou as regras do jogo. Com o surgimento das redes sociais, assistimos à falência dos antigos modelos de vínculo e de sentido. As autoestradas digitais colocaram o mundo ao alcance da mão e, paradoxalmente, afastaramnos dele.

O niilismo na era digital

Esses novos espaços de interação abriram caminho a uma nova forma de construção identitária, onde o niilismo encontra terreno fértil.

Nietzsche definiu o niilismo como uma crise espiritual da modernidade: o ser humano, sem uma crença sólida, tenta preencher o vazio com distrações, consumo, poder, prazer imediato;mas nada disso o satisfaz plenamente.

Nas redes sociais, esse processo repete-se. O consumo constante de estímulos, a comparação e a busca de validação exterior substituem o sentido profundo por recompensas superficiais.

Como as redes sociais intensificam o vazio existencial

– Pela comparação social: ver as vidas idealizadas dos outros (com filtros, seleções e momentos de destaque) pode gerar uma sensação de inadequação, como se a própria vida fosse menos “real”.

– Pela procura de validação externa: a dependência de “gostos”, “seguidores” e reconhecimento social cria uma armadilha emocional. Quando o retorno não vem, surgem a frustração e o sentimento de vazio.

– Pela sensação de não ser compreendido, de que ninguém compreende o nosso mundo interior. As redes podem aliviar esse sentimento (quando há trocas genuínas), mas também intensificá-lo (quando há apenas interações superficiais).

– Pela fragmentação da identidade: o contraste entre quem somos “na vida real” e quem projetamos ser online gera tensão identitária, especialmente entre jovens, que vivem uma luta interna entre o que é e não é autêntico.

– Pela ilusão de pertença: as redes criam uma sensação de se estar “conectado”, mas muitas vezes essa conexão é frágil e efémera. Costuma revelar falta de profundidade, de empatia e de presença real.

Como reencontrar sentido: caminhos da psicoterapia existencial

Autores como Viktor Frankl, Irvin Yalom, Medard Boss, entre outros, convergem na ideia de que o vazio é uma crise de sentido que pode transformar-se em liberdade.

A psicoterapia existencial não tenta eliminar esse vazio; convida o paciente a habitá-lo, a escutá-lo, a descobrir o que ele quer revelar.

Viktor Frankl e a Logoterapia

Frankl criou a Logoterapia (ver mais aqui), um modelo centrado na busca de sentido.Para ele, o ser humano não é livre de sofrer, mas é livre para dar sentido ao sofrimento.O sentido pode surgir:

• Na criação: realizar uma tarefa ou projeto;

• Na vivência: amar, contemplar, experienciar algo;

• No sofrimento: transformar a dor inevitável em crescimento.

Medard Boss e o vazio como espaço de descoberta

Inspirado em Heidegger, Medard Boss propôs que o terapeuta ajude o paciente a perceber como ele existe, e não apenas porquê. O vazio, aqui, é visto como uma “clareira” (Lichtung), conceito heideggeriano, onde algo novo pode emergir.

Uma pergunta típica em terapia seria algo como: “O que está a pedir para nascer nesse espaço vazio interior?”.

Kierkegaard e a liberdade da angústia

Considerado o primeiro existencialista da era moderna, Søren Kierkegaard, afirmou que “A angústia é o vértice da liberdade.” Significa isso que em vez de se fugir da angústia com distrações e consumo, devemos procurar permanecer com essa angústia e tentar perceber o que ela nos quer dizer.

Para o filósofo dinamarquês, a angústia revela o abismo da escolha e estas, por sua vez, revelam possibilidades que podem definir o ser.

A permissa terapêutica assente nestes pressupostos filosóficos é que quando o paciente aceita essa condição, ele deixa de se sentir paralisado e passa a agir com autenticidade.

Exercício prático: inspirando-se no Focusing (ver mais aqui), reserve momentos de silêncio e introspeção. Observe o que emerge quando escuta o seu próprio vazio.

Martin Buber e o poder do encontro

“O eu torna-se eu no tu.” – Para Martin Buber, a identidade constrói-se no encontro autêntico com o outro. A psicoterapia existencial valoriza a relação Eu-Tu; uma relação de presença e de reciprocidade, como antídoto contra o vazio e a alienação.

Irvin Yalom e o “estar-no-mundo”

Irvin Yalom, um dos mais conhecidos psicoterapeutas existenciais contemporâneos, centra-se no “aqui-e-agora” como método terapêutico. O objectivo é levar o paciente a reflectir de que forma habita o presente na forma sentida.

Desta forma, paciente e terapeuta podem reflectir de que forma as abstrações do passado u/ou do futuro estão a impedir o paciente de se conectar consigo mesmo. A ênfase está na compreensão da existência vivida, tal como é sentida no momento, porque cada instante tem peso e possibilidade.

Em síntese

O vazio existencial não é uma anomalia: é um sinal de que algo dentro de nós pede sentido. As redes sociais amplificam o ruído e dificultam a escuta interior, mas o vazio, quando acolhido, pode tornar-se um ponto de viragem.

Encontrar sentido não é uma tarefa pontual, mas um processo contínuo de liberdade, presença e relação.

Como diria Nietzsche “Quem tem um porquê para viver, pode suportar quase qualquer como.”.

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