Por vezes, oiço pessoas perguntarem como se podem libertar de certos padrões de comportamento que despertam sentimentos de culpa ou conflitos internos relacionados com a sua identidade. Ernesto Spinelli oferece uma abordagem particularmente interessante sobre esta questão. O autor propõe que reflitamos sobre as crenças que alimentam esses padrões e que façamos um exercício de imaginação e projecção: se deixássemos de acreditar nessas ideias, com o que ficaríamos? O comportamento ainda faria sentido? Continuaria a ter fundamento? E como agiríamos se já não pudéssemos apoiar-nos nessas crenças que sustentam precisamente aquilo que queremos transformar?
Um exemplo elucidativo surge no seu livro Tales of Un-Knowing. Spinelli relata o caso de um cliente diagnosticado com crises de ansiedade e depressão, que estava a ser medicado para gerir esses sintomas. Posteriormente, por sugestão do seu psiquiatra, foi iniciado um processo de psicoterapia como alternativa ao tratamento farmacológico. Nas primeiras sessões, o cliente explicou a Spinelli que alguns dos seus comportamentos – de que não se orgulhava – tinham origem, segundo ele, na ausência da medicação a que se tinha habituado.
Foi então que Spinelli lançou o desafio: e se a origem do comportamento não estivesse na falta de medicação? Se esta desaparecesse da equação, como é que o cliente lidaria com as situações? Como se posicionaria perante os seus conflitos emocionais? E como se sentiria ao pensar na ausência desse apoio medicamentoso?
Esta forma de questionamento tem a virtude de recentrar a pessoa nas suas próprias necessidades e nas escolhas que faz para as satisfazer. Leva também a uma reflexão mais profunda sobre a forma como compreendemos o conceito de liberdade: sou verdadeiramente responsável pelo que faço com aquilo que sinto, ou serei apenas o produto de forças externas que não consigo controlar?
No caso do cliente de Spinelli, a crença de que era a medicação a controlar o seu comportamento levou à perda de responsabilidade sobre o rumo da sua própria vida. E, com isso, perdeu também o sentido da mesma — mergulhando numa angústia existencial da qual, sozinho, dificilmente conseguiria sair.
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